D'Urso & Borges Advogados Associados

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08/01/2011

RECURSOS SÃO SALVAGUARDAS DOS CIDADÃOS

Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 08/01/2011
O litígio que o cidadão leva para a Justiça em busca de uma solução rápida acaba sempre concorrendo com outro problema inerente à máquina do Judiciário: a morosidade da Justiça, que agrega um sofrimento a mais para advogados, magistrados e promotores e para o jurisdicionado, que não encontra celeridade no provimento jurisdicional.

Mas atribuir ao número de recursos previstos em lei a lentidão processual constitui um equivoco. A Justiça dos homens é falível como falível é o homem. O trabalho do advogado é garantir uma sentença justa e, para tanto, recorre de uma decisão que pretende seja reexaminada, num sistema que visa diminuir, o quanto possível, os erros. A defesa tem como missão resguardar o amplo direito de defesa e o contraditório da parte, agindo com independência e ética. E, caso não assegure ao seu cliente todos os recursos estabelecidos na legislação, da primeira à instância superior, não estará à altura da confiança que lhe foi depositada.

Mas há, sim, um gargalo recursal do sistema processual brasileiro voltado a atender o próprio Estado, suas autarquias e fundações, que dispõem de prazo em quádruplo para responder e de prazo em dobro para recorrer. Portanto, a lei prevê o emprego de recurso obrigatório para decisões contra o Estado, até porque, não seria absurdo admitir que é do interesse do ente público adiar o pagamento de suas dívidas. Um exemplo irrefutável disso são os precatórios, sentenças judiciais transitadas em julgado, cujo pagamento não se cumpre, se protela. Portanto, a prática da excessiva interposição de recursos e manobras protelatórias são práticas comuns ao Estado.

Por óbvio, a morosidade da Justiça atropela direitos e não tem uma causa única. A autonomia financeira do Judiciário, prevista na Constituição Federal , mas não viabilizada pelos Estados, está entre as causas mais visíveis. Em São Paulo, o maior tribunal do país com 20 milhões de processos em tramitação, houve corte orçamentário. Portanto, faltarão recursos para instalar 200 Varas já criadas, ampliar o número de magistrados, concluir a informatização, modernizar a gestão e fazer a reposição inflacionária no salário dos servidores. A somatória desses fatores terá reflexos negativos sobre a Justiça bandeirante durante a próxima década se nada for feito.

A cultura do litígio também é outro obstáculo a ser vencido na busca pela celeridade judicial, inclusive entre os próprios operadores do Direito. Ainda há muita resistência às formas alternativas de solução de conflito, como a mediação, conciliação e arbitragem, sendo que esta última embora seja alvo de um diploma legal dos mais avançados ficou estagnada por anos à espera da conclusão do debate sobre sua constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal.

A eternização dos feitos judiciais não interessa a ninguém, sendo que a simplificação do rito processual e a duração razoável dos processos metas almejadas por todos que militam no Direito . Por isso, nos preocupa as reformas em curso do Código de Processo Civil e do Código de Processo Penal. Sob a justificativa de reduzir o tempo de andamento dos processos, propõem-se nos dois textos a extinção de recursos que, em nosso entender, implicam na redução de salvaguardas aos direitos dos cidadãos. Ao invés de se diminuir recursos, se deveria diminuir o tempo para julgá-los!

Luiz Flávio Borges D’Urso, advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, Professor Honoris Causa da FMU, é presidente da OAB SP.

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