30/01/2014
É fundamental modernizar o Judiciário, incorporar os avanços tecnológicos, reduzir custos e fazer a Justiça andar com mais agilidade no interesse do jurisdicionado. No entanto, este avanço não pode suprimir quaisquer direitos ou ir além dos limites da legalidade, dessa forma, vemos como uma restrição ao direito de defesa o uso da videoconferência para tomar depoimento de réu preso.
Certamente, é prioritário economizar recursos públicos gastos com a escolta de presos e assegurar a ordem pública, eliminando risco de fugas quando do transporte de presos ao fórum. A solução, contudo, é muito mais simples do que se imagina. Sem gastos com aparelhagens para videoconferência, que precisariam ser instaladas em todo o país, ou de escoltas policiais, a audiência poderia ocorrer de forma presencial com o deslocamento do juiz ao presídio.
A audiência ocorreria na administração da unidade prisional e o juiz na presença do advogado e do promotor, em total segurança, colheria os depoimentos. Pelo sistema de videoconferência, a comunicação do acusado com seu advogado durante o ato processual dependerá de linha telefônica e da segurança desse canal de comunicação, o que dificulta o exercício plena da defesa.
Legalmente, o juiz já tem o dever de fiscalizar as condições dos presídios e muitos já procedem assim, de maneira que sua presença na unidade prisional para realizar audiências, aceleraria o andamento dos processos, sem onerar o erário público. Esse dever de fiscalização das cadeias também compete ao Ministério Público, que ao comparecer na audiência realizada no presídio, exerceria regularmente tal fiscalização.
A videoconferência, como prevista pela Lei 11.900/09, limita o direito de defesa do preso porque impede que ele se coloque pessoalmente diante de seu julgador, sendo que o contato pessoal é fundamental para a formação do convencimento do magistrado, incidindo até mesmo sobre um pedido de liberdade provisória. Diante de uma câmera, dentro de uma unidade prisional, o acusado pode se sentir intimidado pelo aparato tecnológico ou sofrer coação ou maus tratos e fazer um depoimento que prejudique sua defesa.
O interrogatório é um momento importantíssimo para a defesa no processo penal, pois estabelece a única oportunidade de o acusado falar de viva voz ao juiz da causa. Um magistrado, ao interrogar um preso, não está apenas captando suas respostas verbais, mas analisando toda a sua linguagem corporal e suas reações para formar sua convicção naquele momento processual. O réu pode até silenciar, mas este momento é muito importante porque é o único no qual ele fala ao juiz. Em nenhum outro momento lhe será conferida a palavra.
O próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o fato de que o direito de autodefesa é exercido durante o interrogatório presencial do acusado. Por ser a lei igual para todos, não podemos admitir qualquer tipo de exceção dentro do Estado Democrático de Direito. O acusado, independente do crime que venha a ser acusado, detêm direitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, que precisam ser observados e garantidos.
Assim, todo avanço tecnológico que possa ser utilizado no aparato da justiça é bem vindo, todavia, desde que esse avanço não viole a condição humana do acusado ou seus direitos fundamentais, sob pena de, na ânsia de se modernizar a justiça, cometer-se injustiça.
LUIZ FLÁVIO BORGES D’URSO, Advogado Criminalista, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, foi presidente da OAB SP por três mandatos (2004/2012), é Conselheiro Federal da OAB, Diretor de Relações Institucionais da OAB SP e Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM