D'Urso & Borges Advogados Associados

Trabalhos

16/07/2013

DR. D’URSO E DRA. ADRIANA D’URSO EM ENTREVISTA NA REVISTA GO’WHERE BUSINESS SOBRE O LADO B DA COPA

Se o Brasil granhar a Copa, todo mundo vai ficar feliz. Se perder, as pessoas vão cair na real de que não ficou nenhum legado para a população das cidades-sede. O país irá perder a oportunidade de realizar inúmeros negócios e alavancar o desenvolvimento das regiões onde acontecerão os jogos por aceitar, sem negociar, as exigências da FIFA e de canalizar as obras só para estádios superdimensionados, que se tornarão verdadeiros elefantes brancos”. Essa é a opinião, dura, de Luiz Flávio D’Urso, ex-presidente da OAB em São Paulo e um dos advogados mais respeitados do País, ao lado da filha, a também advogada Adriana Filizzola D’Urso, que se especializou na análise da “Lei Geral da Copa”, aprovada pelo Congresso em março. “Foi aprovada com verdadeiros absurdos, que passam por cima das leis brasileiras em favor dos interesses comerciais da FIFA e jogam toda a fatura dos custos do evento para os cofres da União”, garante D’Urso. Este é o Lado B da Copa de 2014.

O Brasil só fala dos benefícios da Copa e poucos das implicações espinhosas do evento. Por quê?

Luiz Flávio – Porque não há interesse e porque a Lei Geral da Copa já foi aprovada e não há mais como discutir questões fundamentais que, do modo como ela foi aprovada, só privilegiou os interesses da FIFA. Para os brasileiros, restarão apenas estádios superdimensionados, verdadeiros elefantes brancos.

Adriana – O Brasil quer fazer a Copa da Alemanha no Brasil. A Alemanha já tinha uma infraestrutura pronta. Só construiu estádios modernos. E que estádios! A gente não tem infrestrutura, construiu mega estádios e nem todos com a modernidade e um uso futuro adequados.

Ninguém pensou em melhorar o transporte público?

Adriana – Acharam melhor decretar feriado nos dias dos jogos. Assim, o trânsito diminui e está resolvido. É tampar o sol com peneira. Nossa estrutura de aeroportos já não dá conta do fluxo doméstico, imagina com o afluxo de milhares de turistas estrangeiros querendo se locomover internamente. De Porto Alegre a Manaus, por exemplo. Do desembarque à hospedagem, do transporte à entrada nos estádios, vai ser complicado. Em Manaus, o aeroporto é uma infelicidade. Não tem ar-condicionado, as esteiras de bagagem são incipientes. Resumindo: há risco de pagarmos um mico internacional.

Luiz Flávio – É lamentável, mas, no fundo, acho que o estrangeiro vai embora feliz. Ele vai ser muito bem recebido pelo brasileiro e já vem preparado para encarar uma infraestrutura de país de Terceiro Mundo. E é exatamente isso que ele vai encontrar. Infelizmente.

E do ponto de vista de negócios? A Copa está gerando os benefícios que deveria?

Adriana – Não. O mundo está de olhos voltados para o Brasil. Estamos perdendo a oportunidade de alavancar o País, com obras e negócios que poderiam ser gerados para trazer benefícios para depois da Copa. Há investidores nacionais e internacionais que poderiam estar sendo estimulados, por exemplo, a melhorar nossos aeroportos. Construir terminais que seriam usados para sempre. Eles vão pôr um guichê a mais e está resolvido. Preferem construir megaestádios com capacidade para 45 mil pessoas em cidades onde os times locais não vão atrair um terço dessa capacidade no futuro. A média do Brasileirão é de 13 mil pessoas. Quem irá manter esses estádios depois da Copa? Brasília, por exemplo, não tem time nem na primeira, nem na segunda divisão e os times de lá não enchem 1% do estádio. A média do campeonato brasiliense é de 130 pessoas! O que você vai fazer com um estádio com 45 mil lugares? Em Recife estão construindo um novo estádio numa cidade que já tem três… Podiam ter reformado um… Mas pra quê?

Luiz Flávio – A Copa traz muita coisa positiva. Mas o dinheiro gasto a mais com os estádios poderia ter sido usado para investimentos paralelos, gerando novas oportunidades de negócios ou melhorando a infraestrutura das cidades-sede. O estádio de Manaus é outro triste exemplo: dificilmente será utilizado na sua totalidade depois da Copa. Investimentos mal dimensionados.

Então o que teria de ser feito prioritariamente?

Adriana – Melhorar os aeroportos, a rede de transporte público, os terminais, os parques e onde mais coubessem investimentos do poder público para melhorar a infraestutura das cidades-sede. Há interesse de investidores privados em troca de concessões ou mesmo de lucro direto na obra ou na exploração dos espaços criados por ela. Um estacionamento, uma loja, etc… Isso ficaria. 

Não houve este tipo de planejamento?

Adriana – Não. Temos em execução um trem do aeroporto de Guarulhos ao estádio do Morumbi. Na época da licitação, o Morumbi estava nos planos e ele foi aprovado. Depois, o Morumbi saiu de cena e entrou o Itaquerão, mas o contrato já estava assinado. E então a população vai ter uma via ao aeroporto saindo lá do Morumbi? Só vai beneficiar quem mora no Morumbi e arredores e deseja ir ao aeroporto. É muito pouco.

Os investidores e as construtoras poderiam lucrar mais com obras pulverizadas pelas cidades do que com megaestádios?

Adriana – Sem dúvida. Não só abriria mais leques para investimentos como haveria mais fatias do bolo. 

Luiz Flávio – Algumas licitações das poucas obras programadas estão sendo postergadas. Talvez no intuito de contar com o dispositivo da lei que prevê, em caso de urgência e prazo estourado, a dispensa das licitações. Daí ninguém sabe o que vai ser efetivamente feito, nem quanto vai custar.

Adriana – Só que o Brasil soube que seria sede da Copa em 2010 e estamos em 2013 e há processos ainda em aberto. Na boca da Copa, vai ser um Deus nos acuda! As obras vão causar um caos nas cidades! A finalidade desse procedimento a gente não tem certeza, mas todo mundo desconfia. Algumas coisas vão ser feitas assim surpreendentemente, a toque de caixa, nas coxas, com uma maquiagem para ficar bonito, mas vão sair.

Existe uma espécie de plano-diretor, com as obras e melhorias que o Brasil deveria fazer para sediar a Copa? 

Adriana – Quando o Brasil se candidatou, enviou à FIFA um caderno de intenções que se adequou às exigências da entidade para um país pleitear uma Copa do Mundo. Portanto, os compromissos foram definidos e assumidos lá atrás. A FIFA é uma entidade privada, que tem seus interesses comerciais. Só que ela exige que o país aprove a chamada Lei Geral da Copa, que protege os interesses da entidade acima das leis vigentes no próprio país-sede. E estabelece as diretrizes e medidas que devem ser tomadas para a realização dos dois eventos, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo.

Quais foram as principais demandas que precisamos cumprir e mais impactaram economicamente?

Adriana – A FIFA exige um mínimo de oito cidades sede. O Brasil optou por ter 12. 

Luiz Flávio – Em nenhum país onde se realizou uma Copa foram tantas cidades-sede. O investimento não justifica.

Adriana – Eu vejo que nossos aeroportos serão o Tendão de Aquiles da Copa. O turista estrangeiro vai penar para sair de Porto Alegre e ir a Manaus. A Lei Geral da Copa traz algumas regrinhas polêmicas, como o consumo de bebida alcoólica dentro dos estádios. Mas também há ‘absurdos’ que passaram batido, como as áreas de restrição comercial. Protege nitidamente os interesses da FIFA e de seus parceiros e patrocinadores. 

Quem comprar o evento Copa do Mundo precisa aceitar o “pacote completo”?

Adriana – Lógico! A FIFA está no direito dela. Está no contrato fechado com o Brasil. O artigo 11 da Lei Geral da Copa estipula uma área de dois quilômetros ao redor do estádio na qual não pode ser vendido ou distribuído nada. Não pode ter propaganda, nem comércio de rua que não seja dos parceiros autorizados pela FIFA.

O ambulante com o isopor de cerveja e o comerciante que tem loja nesse perímetro não poderão trabalhar?

Adriana – O ambulante, nem pensar! A FIFA mantém um grande grupo de fiscais para ficar de olho nisso. Nossa polícia terá o ônus de reprimir o comércio ambulante. Só vai se permitir o comércio ambulante ou a atuação dos promotores de produtos e propagandistas de parceiros e patrocinadores autorizados pela FIFA. A Budweiser, patrocinadora oficial da Copa credenciada pela FIFA, vai poder colocar quiosques, distribuir propaganda, etc…

E o bar no quarteirão do estádio, o comerciante estabelecido, como é que fica?

Adriana – Vamos a um exemplo. Se o bar for patrocinado pela Nova Schin, que é concorrente da Budweiser, ele pode ter freezer, banner, geladeira, tudo com sua marca desde que dentro do bar. Nada do lado de fora, como mesinhas na calçada por exemplo. Ou então ele estabelece uma parceria com a Budweiser e põe as mesinhas da marca no espaço público, porque ali, naquele espaço, só podem estar os parceiros comerciais da FIFA. Se houver um outdoor de outra marca, ele vai ser coberto no dia do jogo talvez por um anúncio da Budweiser…

Há outros pontos polêmicos que passaram a valer com a Lei Geral da Copa?

Adriana – Sim. A Lei diz que o Brasil deve permitir a entrada no País de todos os estrangeiros que vierem ao evento. Passa por cima da nossa soberania. Não digo que vá acontecer, mas pessoas de ficha não muito limpa ou com intenção de aproveitar o evento para entrar no país legalmente vão poder fazê-lo sem questionamentos.

Há mais absurdos?

Luiz Flávio – A Lei determina que é proibido usar os símbolos da Copa sem autorização da FIFA, com pena de um a três meses detenção! Se um cartunista, por exemplo, desenha o mascote, a bola oficial ou o próprio símbolo da FIFA, mesmo estilizado, ele pode ser preso! Produtos com esses símbolos, tipo camiseta, pins, bonés, faixas, adesivos, também se enquadram. Quem estocar, fabricar, divulgar e vender sem autorização da entidade pode ser preso também. Há dois outros ‘crimes’ que estarão valendo só durante a Copa: marketing de emboscada por associação e marketing de emboscada por intrusão. Este último é quando um grupo de pessoas coloca uma mesma roupa, até uma camiseta, com uma marca escrita ou sugerida pelo formato ou cor por exemplo. Senta na arquibancada e chama a atenção do público, principalmente da TV. A pena é de três meses a um ano de detenção. E o pior: a FIFA é que determina se as pessoas transgrediram ou não e cabe às autoridades brasileiras apenas aceitar e prendê-las sem discussão.

Tem a questão do ingresso também, não?

Luiz Flávio: Isso vai dar muito o que falar. O ingresso só poderá ser comprado junto à FIFA ou seus representantes autorizados. A maioria dos ingressos deverá ser vendida por sorteio junto aos interessados cadastrados no site da entidade, a exemplo das Copas anteriores. E um ingresso não poderá ser alvo de comércio de jeito algum. Se alguém for pego vendendo ingresso pode ser preso. Se o camarada de uma rádio, por exemplo, anunciar “os três primeiros ouvintes que ligarem agora ganham ingresso para o jogo do Brasil”, vai preso. De três meses a um ano.

Isso é pior que piada, é uma barbaridade!

Fonte: Revista GoWhere Business | Por Leonardo Millen

 

 

Compartilhe